Condomínio de Fato e Vigia de Rua
Com a falta de segurança nas grandes cidades, é cada vez maior a contratação de vigias noturnos, pelos moradores de determinada rua. Normalmente não há contrato formalizado, recebendo tais trabalhadores um valor mensal obtido com a arrecadação entre os beneficiários do trabalho, sob a forma de prestação de serviços, como autônomo. Duas questões devem ser postas: a natureza jurídica do trabalho realizado pelos vigias, e a definição do empregador, dada à multiplicidade de beneficiários do mesmo trabalho. Inicialmente, ha. que se distinguir entre vigilantes e vigias. Os primeiros são aqueles empregados contratados por estabelecimentos financeiros ou por empresa especializada em prestação de serviços de vigilância ou transporte de valores, como previsto na Lei 7.102/83 e Dec. 80.056/83. Já o vigia, segundo Carrion, é o "que somente exerce tarefas de observação e fiscalização do local" (Comentários à CLT - Saraiva - 21 ed.p.61). Assim, para o nosso comentário estamos tratando do vigia noturno. Este, em principio, segue hoje as regras comuns da CLT, inclusive a carga de oito horas diárias. Pois bem, quanto à natureza jurídica do trabalho realizado pelo vigia para residências, a jurisprudência inclinava-se majoritariamente no sentido de considerar tal atividade como de simples autônomo, e não como empregado, como se vê de várias decisões mencionadas na LTr 60-07/946. Aos poucos, contudo, vem tomando força o entendimento de que o vigia, nas condições aqui expostas, se equipara ao empregado doméstico, mais precisamente ao diarista fixo na mesma residência. Neste sentido, por exemplo, a seguinte decisão do TRT da 24ª Região: "O vigia de residência particular enquadra-se na categoria dos empregados domésticos, uma vez preenchidos os requisitos previstos na Lei 5.859/72, quais sejam, serviço contínuo, de natureza não lucrativa, prestado a pessoa física ou a família, no âmbito residencial destas." (RO0052/96 in LTr 60.07/999).Assim também se verifica em decisão do mesmo TRT, no caso de ser o vigia contratado pelos moradores de uma certa rua: "Vigia de residências - Trabalhador doméstico. O trabalhador que presta serviços de vigilância a residências, contratados pelos próprios moradores, está enquadrado nas hipóteses da Lei n. 5859/72, já que executa atividades não lucrativas a pessoas ou a famílias, no âmbito residencial destas". (RO 000370/94 - ob. Cit p. 1000). A conseqüência deste enquadramento, se de um lado retira a aplicação do Código Civil, como locação de serviços, por outro retira a incidência direta da CLT. E sendo assim não caberá o recebimento de vários direitos do texto consolidado, como horas extras, adicional noturno e FGTS (Constituição Federal, art. 7º, parágrafo único). Quanto ao empregador, cabe trazer a discussão acerca do condomínio de fato, que estaria ou não caracterizado no caso da existência de vários empregadores (os moradores de uma rua). Em primeiro lugar cabe mencionar aresto que reconhece a existência de condomínio de fato, ainda quando não existam as características previstas nos arts. 1º, 2º e 4º da Lei 4.591/64: "Comprovada a prestação de serviços de vigia de rua com as características da relação de emprego, não há porque negar-se a tutela jurisdicional ao empregado somente pela alegativa de ausência de personalidade do empregador, no caso um condomínio de fato integrado pelos moradores de rua." (TRT - 16ª Reg. - Proc. 118/92 - Rel. Juiz Francisco M. Marques de Lima - cf. B. Calheiros Bonfim e Silvério dos Santos - "Dicionário de Decisões Trabalhistas" - 24ª ed. p. 162).Recente decisão do TRT da 2ª Região, embora reconhecendo que "a atividade do vigilante noturno em rua residencial está caracterizada como doméstica, portanto sob a égide da lei 5.859/72", não concorda com a existência, no caso, da figura do condomínio de fato, tendo reformado sentença naquele sentido (cf. LTr 60-07/944).No voto do Relator designado, Juiz P. Bolívar de Almeida, contrariando o voto do relator originário, argumenta-se, em primeiro lugar, que o condômino não pode ser imposto por decisão judicial, para aqueles que escolheram a opção da individualidade de residir, sem terem optado por viver em condomínio. Alerta para o risco das demais responsabilidades advindas, em questões fora de o âmbito laborar, com o reconhecimento do condomínio de fato. É bom lembrar que haveria uma questão prática de difícil solução, como a assinatura da carteira e o recolhimento de contribuições providenciariam, por exemplo, dada a inexistência de CGC, e de outros requisitos necessários ao condomínio. Outra dificuldade que poderíamos acrescentar é que a representação judicial em juízo, no caso dos condomínios, se faz, exclusivamente pelo síndico, na forma do art. 2º da Lei 2.757/56, ou pelo síndico ou administrador, nos termos do art. 12, IX do Código de Processo Civil. No caso de se aceitar a tese do condomínio de fato, sempre haverá dúvida sobre quem representaria o grupo, seja a questão tratada na área cível ou trabalhista. É evidente que cada caso terá a solução própria, de acordo com os fatos específicos. No exemplo do último julgado aqui mencionado, decidiu-se atribuir a responsabilidade direta a um dos vizinhos que era uma pessoa jurídica ressalvada o seu direito de regresso contra os demais. Na prática, pode ocorrer que todos os vizinhos sejam pessoas físicas (várias casas) ou mesmo vários pequenos condomínios legalmente constituídos. Seguindo-se a tendência da jurisprudência, a responsabilidade direta será contra aquele com quem o empregado estabeleceu em primeiro lugar a pessoalidade e a subordinação, pela aplicação a contrario sensu do inciso III do Enunciado 331 do TST, e aplicação analógica do art. 3º da lei 2.757/56, de que os condôminos responderão proporcionalmente pelas obrigações. Neste caso, sendo impossível estabelecer o vinculo com todos os beneficiários, será considerado empregador aquele que estabeleceu de forma inicial ou mais expressiva e predominante a subordinação e a pessoalidade, cabendo-lhe o direito de regresso em face dos demais.
domingo, 1 de junho de 2008
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